Sunday, October 15, 2006

USUFRUTO



Qualquer um de nós, de uma maneira ou de outra, em qualquer momento, pode rever-se nele: nas suas ambições, nos seus medos, sujeito as mesmas pressões, ao mesmo fim...
Porque a vida é, no fundo uma montanha russa endiabrada, feita de tudo um pouco e de que, por fim apenas nos resta a memoria do seu usufruto.


Baltazar de Matos Caeiro



CARTA DE AMOR




Juro-te que ia escrever uma carta de amor
Tinha as palavras pensadas, alinhadas.
Mas vi-as aqui transpostas, expostas
E estavam, como dizia o Pessoa:
"Ridículas".
Juro-te que tentei.
Usei até adjectivos tais como:
Sublime, ardente, transcendente
E até, imagina, incandescente!
Mas…
A carta continuava, como dizia o Pessoa:
"Ridícula".
Não concordo que, como diz o Pessoa,
"Todas as cartas de amor são ridículas".
A minha não será
Vou escrevê-la em ti
.



V. Alves

QUEM ESCREVEU, QUEM FOI ?

"Estamos perdidos há muito tempo...

O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes, exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte, o país está perdido!"


Não, não foi nenhum membro da oposição do actual governo, não senhor!!!
Foi este senhor,
Eça de Queiróz, em 1871...


Victor Alves

UM PRATO TIPICAMENTE PORTUGUES



O que vai almoçar hoje?


Há muitos motivos para se visitar Portugal. Mas um deles é, com certeza, a culinária regional. A minha balança é a maior testemunha de que por aqui se come e bebe muito bem. E como os prazeres da mesa merecem ser compartilhados, neste domingo faço a minha sugestão para um almoço à portuguesa aí na sua casa. Lá vai.


Aperitivo - Punheta de Bacalhau: Enquanto faz o almoço, nada melhor do que reunir os amigos para uma punheta rápida. É um bacalhauzinho desfiado, temperado com cebola, azeite e vinagre. Simples e dá muito prazer. Fácil de fazer, é uma boa opção para os solitários.


Entrada - Sopa de Grelos ou Sopa Seca que se Agarra às Costas: Por alguma razão, a sopa de grelos é a preferida dos marmanjos. Já os que não se importam de ter algo agarrado às costas preferem a segunda sopa, típica da Beira-Litoral e feita à base de feijão e pão.


Prato principal - Arroz de Pica no Chão: É uma especialidade da região do Entre-Douro e Minho, no Extremo-norte do país. O Arroz de Pica no Chão é feito à base de frango e toucinho, levando os devidos condimentos. É um prato delicioso, mas um tanto pesado e por isso deve ser apreciado com moderação, em especial por quem gosta de um "rala-e-rola" depois do almoço. Com Pica no Chão a coisa fica mais difícil.


Acompanhamento - Caralhotas ou Cacetes: Uma refeição portuguesa tem sempre pão à mesa. As caralhotas são pequenos pães típicos da região de Almeirim. Já os cacetes são comuns em todo o país. É fácil encontrar um português com o cacete na mão.


Bebida - Vinhos Portugueses: Os vinhos são classificados por regiões e há para todos os gostos. Talvez seja bom optar por um vinho com aspecto mais leve e feminino. Pode escolher um Monte das Abertas (Alentejo), um Quinta da Pellada (Dão) ou, talvez, uma garrafa de Rapadas (Ribatejo). Mas se insiste em uma bebida mais encorpada e masculina, uma boa opção pode ser o Três Bagos (Douro). Ou, ainda mais intenso, um Terras do Demo (Beiras).


Sobremesa - Mamadinhas da Pousadinha de Tentúgal ou Espera-Marido à Transmontana: A confeitaria portuguesa é muito rica e os doces conventuais são mesmo um objecto de culto. O Espera-Marido é um doce simples que se faz com açúcar, ovos e canela em pó. Já a mamadinha é uma das maiores delícias surgidas nos conventos.


Digestivo ­ - Licor de Merda: É uma bebida da região de Cantanhede, feita à base de leite, baunilha, cacau, canela e frutas cítricas. Quem experimentou diz que é uma merda, mas muito gostoso.

É como diz o velho deitado: "Eu, por exemplo, gosto de comer sapateiras, madalenas e trouxas".

BOM APETITE!!!


Victor Alves

BARRIGUINHA DOS QUARENTA




Com a chegada do Verão algumas almas preocupam-se com algo que estivemos a alimentar todo o resto do ano: a barriga. Entre os homens havia a tradição de estarmos relativamente despreocupados com a manutenção do corpo. Era ver-nos despreocupados a beber umas cervejas na esplanada de confortável barriguinha ao sol.

Os tempos mudaram e a ditadura, verdadeiramente anorética, dos modelos chegou também aos homens. Há mesmo quem passe horas e horas fazendo o culto do corpo. Que coisa estranha essa de pedalar e correr sem sair do mesmo sitio.

Os ginásios são aqueles sítios onde, no bar não se vendem bebidas alcoólicas, e até os pregos no pão são para vegetarianos. Esta cultura ligeira e despreocupada não quer dizer que adoptemos o estilo taxista de T- shirt apertada e uma barriga que não permite visionar o cinto das calças. Nem tanto ao mar nem tanto a terra. A barriguinha bem formada é charmosa para qualquer mulher.

Será que não percebem que, em algumas culturas mais evoluídas técnica e sociologicamente, a barriguinha é mesmo um sinal de status. Para se ter uma barriguinha é preciso saber aproveitar a vida. São precisas muitas cervejas, muitos gin tónicos e vodkas para se desenvolver uma barriguinha no ponto certo. Nada a mais e nada a menos. A barriguinha dos quarenta tem que estar mesmo correcta. A barriga é sinal de conforto e de maturidade e por isso é como os charutos: é preciso ter quarenta anos para poder exibi-la.


Mas, se no entanto a sua barriguinha já não lhe permite ver os sapatos que calçou de manhã ou o obrigou a comprar um automóvel mais potente, aí recomenda-se um telefonema ao José Maria Tallon, porque nesse estado já não há ginásio que o ajude.


Victor Alves

O EFEITO CAMALEÃO NUMA EMOÇÃO

Todos nós os seres humanos somos um pouco como os camaleões que mudam de cor consoante o ambiente ao qual são expostos. Tomamos a cor emocional do meio onde nos encontramos. Decerto já nos deparamos com algumas situações interessantes, por exemplo, quando falamos com uma pessoa tímida nós sentimo-nos mais tímidos, e quando discutimos com uma pessoa alegre e confiante ficamos nós mesmos mais alegres e confiantes também. O efeito camaleão é esse fenómeno que faz com que ajustemos as nossas emoções ás dos outros. Quando duas pessoas estão na presença uma da outra, aquela que é mais expressiva transmitirá o seu humor àquela mais passiva.
Nunca somos indiferentes quando comunicamos. As emoções na comunicação são como um liquido colorido na qual todos nos banhamos. Esse liquido faz-nos adquirir a cor do outro e faz o outro por sua vez adquirir a nossa própria cor. Considero este efeito camaleão deveras importante, porque mostra-nos até que ponto somos permeáveis ao nosso meio ambiente e ás pessoas que aí se encontram. Todos sabemos por experiência própria, que quando alguém fica furioso durante uma conversa o outro muito provavelmente também ficará, se o estado de uma pessoa se encontrar alegre, sorridente ou deprimido será sempre absorvido pela outra pessoa. Podemos fazer uma simples experiência para resumir esta ideia. Quando nos cruzamos com alguém na rua poderemos fazer uma careta e observar que ele nos olhará com um ar de zangado, mas se fizermos um sorriso simpático a outra pessoa retribuí.
De facto partindo deste principio podemos influenciar as emoções de outra pessoa. Podemos tirar partido deste efeito camaleão e fazer com que as pessoas se sintam bem, calmas e seguras na nossa presença. A capacidade psicológica para nos identificarmos com o eu de outro está lá, em cada um de nós. Apenas temos de a fazer sair e exprimir-se. Acho que viver sem essa empatia é o mesmo que viver de olhos fechados. Aprender a olhar para essas emoções e saber aprecia-las, obriga-nos
a uma necessidade de tentar ser justo.


Victor Alves